“Em verdade eu declaro a vocês:
todas as vezes que fizeram isso (deram de comer aos que tinham fome,
deram de beber aos que tinham sede,
receberam em casa os estrangeiros,
vestiram
os que estavam sem roupa, cuidaram dos doentes,
visitaram os presos) a um
desses meus irmãos mais pequeninos,
foi a mim
mesmo que o fizeram”.
(Mt 25, 40)
No
dia 30 de maio deste ano, nós cristãos católicos - em comunhão com a natureza e
com toda a humanidade - celebramos a Solenidade do Corpo de Cristo. Por
coincidência providencial, no mesmo dia, eu recebi, via e-mail, enviado pela
coordenadora nacional da Pastoral do Povo de Rua,
Cristina Bove, o poema de Roberval Freire sobre Corpus Christi, que reproduzo
abaixo. Era de noite. Lendo o poema, fiquei chocado e, ao mesmo tempo,
desafiado pela radicalidade humana e evangélica que ele transmite. Perdi o sono
e mergulhei em profunda meditação.
De fato, trata-se de um poema que
precisamos ler e meditar não com preocupação doutrinária e legalista, mas com
coração aberto e livre, para que, à luz do Espírito Santo, sua mensagem
revolucionária irradie por todo lado, penetre a totalidade do nosso ser e, num
processo de conversão contínua, nos leve a viver de verdade a opção pelos
Pobres, dando a vida por amor. “Jesus, tendo amado os seus que estavam no
mundo, amou-os até o fim” (Jo 13, 1). Em clima de recolhimento e fazendo a
leitura silenciosa do poema, coloquemo-nos em estado de meditação.
“Corpus
Christi.
Hoje,
dizem, é dia do meu corpo. Hoje é feriado. Quantos corpos cansados de
trabalhadores e trabalhadoras esgotados que estão dando graças a mim por este
descanso. Mas outros trabalham hoje: seus corpos não podem parar.
Hoje, meu
dia, decidi deixar meu corpo gritar. Não vou estar nas paróquias, procissões,
sacrários. Decidi hoje deixar de ser hóstia.
Não vá
lá! Não estou nestas concentrações. Não me adore!
Vou te
dizer onde estou hoje neste dia frio!
Estou lá
nas praças, mal vestido, mal cheiroso
- como você vai me adorar assim?
Estou
fumando crack, furtando nos faróis, xingando.
Estou
abrindo sacos de lixo, sujando calçadas.
Estou
acendendo fogueira sobre o cimento da praça.
Estou
entre as grades de uma prisão.
Estou no
15º programa mecânico de um sexo pago.
Estou do
lado de fora do shopping.
Estou do lado
de fora do mundo.
Sou a
cruz e a dor - hoje é meu dia, dia do meu corpo.
Corpo que
sente -
por isso hoje não vou ser hóstia que não sente.
Hoje
poderei ser tua missa, tua causa, tua inquietação.
Hoje eu
sou teu pão e teu vinho!”
(Roberval Freire, 30/05/2013).
A Eucaristia nos questiona
visceralmente sobre a nossa fé de seguidores e seguidoras de Jesus de Nazaré.
“A fé, sem as obras, está completamente morta” (Tg 2, 17). Pe. Arrupe afirma: “Se
em alguma parte do mundo existe fome, nossa celebração eucarística está de
alguma maneira incompleta. Na Eucaristia recebemos Cristo que tem fome no
mundo. Ele vem ao nosso encontro junto com os pobres, os oprimidos, os famintos
da terra, que através dele nos olham esperando ajuda, justiça, amor expresso em
ações. Não podemos receber plenamente o pão da vida, se não damos ao mesmo
tempo pão para a vida daqueles que se encontram em necessidade onde quer que
estejam” (Citado por: Rádio Vaticano. Reflexão sobre “Por que a Pobreza?”,
29/11/12).
Enfim,
perguntamo-nos: O que significa para nós, hoje, celebrar a Eucaristia? Receber
a Eucaristia (comungar)? Adorar a Eucaristia? E, sobretudo, viver a Eucaristia?
Será que acreditamos
realmente no verdadeiro sentido da Eucaristia? Será que estamos dispostos a
cantar de coração: “É Jesus este Pão de igualdade, viemos pra comungar, com a
luta sofrida de um povo que quer, ter voz, ter vez, lugar. Comungar é tornar-se
um perigo, viemos pra incomodar, com a fé e a união nossos passos um dia vão
chegar” (Canto de Comunhão: Se calarem a voz dos Profetas. Refrão). Que a
Eucaristia seja, para todos e para todas nós, vida nova em Cristo, vida segundo
o Espírito, o Amor de Deus.
Fr. Marcos
Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em
Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor
aposentado de Filosofia da UFG
Goiânia, 05 de junho de 2013